quinta-feira, 26 de maio de 2016

Crônica

A MULHER E CASOS EMBLEMÁTICOS DE VIOLÊNCIA

 * Raquel Mendonça


Ao longo de décadas, pude acompanhar de perto o acontecer e desenrolar de casos e mais casos de violência contra a mulher, na imprensa e fora dela, um deles na casa ao lado onde acabara de me mudar, há cerca de trinta anos atrás.

O Perfil do homem ou parceiro agressor está, no mais das vezes, relacionado ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas ou ao uso de drogas ilícitas! O ex vizinho bebia até cair, dia sim, no outro também. A mulher? De pequena estatura, com três filhos menores, ao lado de um "esposo" de alto tamanho e providencial magreza - que o tornava ainda mais frágil, especialmente quando embriagado -, mas que costumava espancá-la cruelmente, segundo relato de vários vizinhos.

Era fim de tarde, acabara de chegar do trabalho, quando ouvi gritos de socorro partindo da casa de fundo. Era a voz dela, deduzi: "Socorro, me ajudem! Ele vai me matar!" Atirei a bolsa e pastas no sofá da sala e, no terceiro ou quarto pedido de socorro, já estava na porta da casa deles, que consegui ultrapassar, quando me deparei com a seguinte e sinistra cena: ele, mesmo torto, cambaleando, tentando alcançá-la, com uma arma de cozinha enorme nas mãos, e ela correndo e gritando em redor da mesa da copa, no rosto o pânico, o pavor do risco de morte iminente.

Estava tão embriagado e concentrado no que queria fazer, ou seja, assassinar a mulher a facadas, que não me viu me aproximar por trás, segurar e sacudir-lhe firmemente o braço direito, não antes de atingir-lhe as costas, quando a imensa faca caiu, ele também! Ainda a segurar-lhe o braço, avancei sobre o seu corpo, conseguindo imobilizá-lo, pedindo à senhora saísse dali e levasse os seus filhos!

Aí os vizinhos curiosos começaram a se aproximar, quando gritei a um deles: dá pelo menos para chamar a polícia?! Aí dois homens da vizinhança se encheram de repentina coragem e me ajudaram a segurar por inteiro o molambo humano, que mal se mexia, até a polícia chegar e levá-lo preso por tentativa de assassinato.

"A senhora não devia ter feito o que fez", me disse outro vizinho, que soube depois batia também na mulher. E completou: "Em briga de marido e mulher não se mete a colher". Tem razão, respondi-lhe, sem nenhuma "paz-ciência"! "Uma colher de nada vale, meu senhor, a não ser que seja de madeira, grande o bastante, ou, melhor, de ferro, por exemplo"!!! Ele se calou e se afastou de vez.

A mulher, soube depois, pegou os três filhos pequenos e mudou-se para local ignorado, em São Paulo, não antes de me procurar para agradecer o gesto que lhe salvara a vida. "Não me deve nada, e sim a Deus que lhe deu forças para reagir! Quantas mulheres não passam pelo mesmo caladas, submissas, subjugadas?!"

Segundo a renomada psicóloga Mara Silva Lourenço, "geralmente, os agressores de mulheres são transgressores de normas, têm desvio de conduta e atitudes agressivas com pessoas ou atos de crueldade com animais." E chama a atenção para gestos extremamente egoístas ou a dificuldade em aceitar contrariedades, atitudes que demonstram um perfil agressivo do parceiro ainda na época do namoro ou noivado, mas que, muitas vezes, passam por elas despercebidos.

Outro caso de que tomei conhecimento recentemente ocorreu também no passado, quando o pai de amiga, já falecido, cansou-se de ver, repetidamente, cenas de violência na casa ao lado, com o marido espancando a mulher, fazendo os filhos correrem apavorados para a sua casa - não havia cerca ou muro entre os quintais - e se agacharem uns sobre os outros no seu quarto, em pranto sofrido!

Ele chamou a mulher um dia e lhe perguntou porque ela se deixava agredir daquele jeito. Se ele era mais forte fisicamente do que ela, aconselhou, "Pegue um pedaço de pau -, sugerindo a lenha que usava no fogão -, e bote-o para correr! Seus filhos estão sofrendo muito também. Choram o tempo todo! É de fazer dó", argumentou. (Um deles não superou os traumas de infância e ficou com transtornos mentais). E foi o que ela fez, para surpresa do agressor. Quando ele chegou ameaçando-a de violência e aproximando-se agressivamente dela, recebeu uma inesperada paulada, que o fez cair desmaiado, situação em que havia deixado tantas vezes a mulher, após impiedoso e cruel ritual de espancamento!

Um vizinho, também marido violento, amigo do agressor - gambá cheira gambá! - chamou a polícia (por que nunca havia denunciado o agressor?), ela foi levada presa - pasme! - mas logo solta, por se entender que agira em legítima defesa!
Final da história?! O esposo espancador fugiu para local ignorado, e dele nunca mais se teve notícia, para felicidade da pobre mulher e de seus cinco filhos!!!

O triste episódio de mais de uma centena de mulheres operárias em greve por melhores condições de trabalho e salário em Nova York, trancadas e incendidas na fábrica de tecido (1957) deu origem ao "Dia Internacional da Mulher"! Como disse o Sargento Antônio José Rodrigues Rocha, comandante da Patrulha de Prevenção à Violência Doméstica em Montes Claros, em mais uma campanha social importante, agora contra a violência doméstica, "o objetivo principal é despertar na comunidade o envolvimento para com a questão da violência contra a mulher. Devemos quebrar padrões de comportamento social e entender que em briga de marido e mulher devemos meter a colher. A cada dia, mais casos de violência contra a mulher são registrados. Precisamos todos acordar para o problema."

Coordena mais esta Campanha social, agora de Combate à Violência contra a Mulher, que deve ser contínua, o grande e querido Padre Bessa, que explica: "Nosso objetivo é demonstrar nosso carinho (distribuindo rosas) pelas mulheres e conscientizá-las da importância de combater e denunciar qualquer tipo de violência, incentivando denúncias de qualquer tipo de violência contra a mulher."

A luta é de todos, não somente das mulheres, mas também e de modo especial de homens conscientes de que a violência doméstica contra a mulher é um ato ignóbil de covardia, que mata milhares de mulheres em todo o mundo, marcando, para sempre, filhos também agredidos fisicamente, muitas vezes, e psicologicamente, todas as vezes em que veem a mãe sofrer atos de violência!...

Em briga de marido e mulher se mete, sim, a colher! Antes que seja tarde demais.



* Fundadora e Presidente do 1° Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Mulher de Montes Claros

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