sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Crônica -

As Lágrimas de Boavista

* Jerúsia Arruda


Na noite do último sábado, 20 de agosto, no palco do 38° Festival Folclórico de Montes Claros, montado na Praça da Matriz, bem em frente à Igreja de Nossa Senhora da Conceição e São José, Charles Boavista chorou. Ele também cantou. E cantaram com ele Carlos Maia, Herbert Lincoln, um Batuta de cabelos embranquecidos e outros meninos que chegaram há pouco à música, já com o privilégio de dividir cena com o genial artista, que há 64 anos nasceu Agnaldo Pereira, na Fazenda Boavista, na cidade de Francisco Sá, Norte de Minas.

É verdade, ele cantou. Cantou a história dos Montes Claros e seus amores e dissabores, do Rio São Francisco e seus favores, do Norte de Minas e seus senhores, mas o que ele mais fez foi chorar. Do começo ao fim do show. Copiosas, incontroláveis e dadivosas lágrimas que lavavam seu rosto e o coração de quem assistia ao pranto que, misturado ao canto, era um presente para o coração de quem conhece a história desse norte-mineiro, que desbravou o Rio de Janeiro e São Paulo, e levou Montes Claros para o mundo através da sua arte, como ator, cantor ou como barranqueiro do rio São Francisco, que por aqui é definição.

Alguém, por favor, tire o copo de Charles Boavista, para que não o percamos de vista, e ele permaneça por mais tempo entre nós. Ainda há muita gordura para queimar nessa fábrica de sonhos que é a música que ele entoa, que nos faz ficar rindo à toa, diante da sutileza de seus versos e da riqueza e leveza que neles incidem.

Precisamos da "Balada de Antônio Dó", de "Desentoado", da "Valsa do Amor distante", de "Olhe bem as montanhas", de, ao menos mais um milhão de vezes, ouvi-lo cantar "De Trem prá Montes Claros".

As lágrimas de Boavista eram um espelho da beleza da festa que reúne tanta gente, num espaço apertado pela história, com todo mundo querendo guardar na memória um recorte do que se passa no lado velho da cidade, para sentir saudade quando a idade chegar.

As lágrimas de Charles eram um pedido silencioso ao Divino, para não deixar morrer o menino que tanto fez em seus janeiros, e que conseguiu contar para o mundo inteiro o que por aqui se passa, sem para ele mesmo nada guardar.

Só a saudade, derramada nas lágrimas naquele quadrado de palco, onde parecia sozinho, mesmo com a multidão que com ele cantou "E eu pus um A, e pus um N e pus um G, um E e um L e um A e deixei lá. Oi! Meus camaradas...", e num uníssono emocionante, sem parar um único instante, também cantou "... e mês que vem eu vou de trem pra Montes Claros".

As lágrimas de Charles Boavista, um misto de alegria e saudade, eram, na verdade, a vontade de ver aquele momento se eternizar.


Longa vida a Charles Boavista!...


* Jornalista e cronista

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